Construção comum em bem próprio. Quid Iuris?

14 de Outubro de 2025
Artigo de opinião de Bárbara Figueiredo no Diário de Coimbra.
O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) n.º 9/2025 (Diário da República n.º 174/2025, Série I) veio uniformizar a jurisprudência relativamente ao regime jurídico a aplicar quando um ex-casal (casado no regime de comunhão adquiridos) constrói, à custa do património comum, um edifício – a casa de morada de família – num terreno próprio de um dos cônjuges.
Em primeira instância, o entendimento foi o de que a edificação consubstanciava uma benfeitoria útil, com o consequente reconhecimento do crédito sobre o património comum. Ou seja, o terreno e a edificação nele construída seriam bens próprios do cônjuge proprietário do terreno, mas o património comum teria sobre este um crédito correspondente à benfeitoria realizada.
Tal decisão veio a ser revogada pela Relação, que entendeu ser de aplicar ao caso o artigo 1726.º do Código Civil, devendo, consequentemente, o imóvel ser classificado conforme a prestação mais valiosa – se o imóvel valesse menos, deveria ser considerado bem próprio do ex-cônjuge proprietário do terreno, ficando este obrigado a compensar o património comum; já se o imóvel valesse mais, deveriam ambos ser considerados bens comuns, sendo o ex-cônjuge proprietário do terreno compensado pelo valor do mesmo.
Chamado a pronunciar-se sobre a questão, entendeu o STJ que a obra edificada em terreno próprio de um dos cônjuges, com recursos comuns, mais do que constituir a melhoria de uma coisa, consubstancia a criação de uma coisa nova, que permanece como bem próprio, mas gera um direito de crédito de compensação do património comum sobre o património daquele cônjuge, assim se restaurando o equilíbrio patrimonial entre as partes.
Ou seja: para o STJ a moradia não deve ser tratada como simples benfeitoria, nem considerada acessão, rejeitando ainda a aplicação automática do artigo 1726.º do Código Civil. Na falta de norma legal que a tal obste ou que determine solução contrária, entendeu o STJ que o direito de propriedade sobre o terreno passa também a incidir sobre a obra nele edificada, ou seja, o direito de propriedade abrange a totalidade da coisa nova criada.
Conclui que, nesta consequência, deverá proceder-se a uma avaliação pericial das duas componentes para quantificar o crédito do património comum. Tal crédito corresponderá ao valor da obra nova suportada pelo casal, deduzido do eventual valor aportado pelo dono do terreno, para que se faça a justa compensação.
O relevo do Acórdão funda-se, desde logo, no facto de ter carácter uniformizador de jurisprudência, com o consequente reforço da segurança e previsibilidade jurídicas sobre uma questão que vinha a suscitar decisões distintas por parte dos tribunais superiores. Por outro lado, ficam acauteladas as posições de ambos os cônjuges, ao mesmo tempo que se evita uma alteração indesejada ao regime matrimonial – como a transformação automática de bens próprios em bens comuns, como aconteceria se fosse aplicável, sem mais, o artigo 1726.º do Código Civil.