Garantir a última vontade e evitar conflitos familiares
6 de Novembro de 2025
A Testamentaria
Artigo de opinião de Bárbara Figueiredo no Diário de Coimbra.
O recurso à figura jurídica da testamentaria, prevista nos artigos 2320.º e seguintes do Código Civil, pode consubstanciar uma decisão estratégica para garantir a execução fiel da última vontade do testador, reduzir litígios e assegurar a boa gestão da herança até à partilha, especialmente em heranças com múltiplos legados, ativos financeiros relevantes ou elementos internacionais. Ou, ainda, nas situações em que, existindo múltiplos herdeiros, seja previsível vir a existir um litígio entre os mesmos em sede de partilhas, caso em que o testamenteiro surge quase como que um mediador, que deverá reger-se pela última vontade declarada pelo falecido.
De acordo com a legislação aplicável, o testador pode nomear um ou mais testamenteiros para vigiar e/ou executar o testamento; podem ser herdeiros ou legatários e têm as atribuições conferidas pelo testador, dentro dos limites da lei. Na falta de especificação, compete ao testamenteiro, nos termos do artigo 2326.º do Código Civil, cuidar do funeral e despesas, vigiar a execução das disposições e sustentar a sua validade em juízo e exercer as funções de cabeça‑de‑casal (salvo declaração em contrário e respeitando a hierarquia legal).
Dependendo do caso concreto, pode ser recomendável atribuir poderes adicionais ao testamenteiro, compatíveis com a lei, como sejam, entre outros, os poderes de gestão financeira e bancária, de alienação e realização de activos, de administração de participações sociais, de propor acções, nomeadamente para defender o testamento e operacionalizar a entrega de bens, de reter quantias para encargos previsíveis e devolver excedentes ao cabeça‑de‑casal.
A jurisprudência vem, de resto, a confirmar o papel operativo desta figura, ao entender que quando o testamenteiro tem poderes para movimentar contas e cumprir encargos, a centralização de saldos e pagamentos por este é legítima, devendo devolver excedentes ao cabeça‑de‑casal (quando o cargo seja exercido por outra pessoa) e prestar contas.
Importa ainda realçar existirem salvaguardas de controlo já que, por um lado, o testamenteiro pode pedir escusa após aceitação, e, por outro, pode ser removido por falta de prudência, zelo ou competência. Com este enquadramento, é ainda de referir que, caso esteja prevista a remuneração do testamenteiro (caso nada seja dito, o cargo não é remunerado), a mesma pode ser reduzida proporcionalmente caso a testamentaria cesse antes de finalizada a partilha.
Concluindo, a nomeação de testamenteiro com poderes bem desenhados — proporcionais e conformes à lei – surge como um instrumento relevante para conferir eficiência, previsibilidade e menor litigância (nomeadamente se for nomeada pessoa que não seja um herdeiro), maximizando a realização da vontade do testador sem abdicar da necessária transparência e cumprimento das disposições legais aplicáveis, como seja o respeito pela legítima dos herdeiros legitimários.