Violência Doméstica e Indignidade Sucessória

23 de Maio de 2025
Artigo de opinião de Bárbara Figueiredo no Diário de Coimbra.
A indignidade sucessória, ou a incapacidade por indignidade, é uma sanção de natureza civil que visa afastar da sucessão quem tenha violado de forma grave deveres fundamentais para com o autor da herança. Prevista no artigo 2034.º do Código Civil, esta figura procura preservar a dignidade da sucessão, impedindo que herdem aqueles que cometeram atos particularmente ofensivos contra o falecido ou contra os seus familiares mais próximos.
As situações previstas incluem, entre outras, a condenação por homicídio doloso (ainda que não consumado), a denúncia caluniosa, a falsificação de testamento ou a coação sobre o testador. A indignidade é declarada por sentença judicial, através de um processo autónomo – instaurado especificamente com esse intuito, nos termos do artigo 2036.º do Código Civil -, ou na própria sentença penal que condene pelo crime de homicídio doloso, nos termos do artigo 69.º – A do Código Penal. Sem prejuízo da declaração da indignidade, esta pode ser relevada expressamente pelo autor da sucessão em vida, nos termos do artigo 2035.º do Código Civil.
Ora, de entre os crimes passíveis de determinar a incapacidade sucessória não se encontra, assim, o crime de violência doméstica, o que significa que, mesmo após condenação transitada em julgado por violência doméstica, o agressor poderá concorrer à sucessão aquando do falecimento da vítima.
É certo que existem muito outros crimes que, ainda que praticados contra o falecido, com sentença condenatória transitada em julgado, não determinam a declaração de qualquer incapacidade sucessória. Mas é também certo que, pelos concretos contornos que tem – seja pela relação íntima que pressupõe, pela forma reiterada com que muitas vezes acontece (não raras vezes, ao longo de uma vida inteira) ou, ainda, pela disseminação que ainda tem na nossa sociedade, poucos crimes nos chocarão tanto, enquanto sociedade, como o crime de violência doméstica.
Impondo-se, consequentemente, a reflexão: será conforme com as nossas referências morais mais basilares (aquelas que nos unem enquanto sociedade e que vinculam as opções legislativas) que um filho que comprovadamente tenha praticado um crime de violência contra o seu pai herde parte ou a totalidade da sua herança? Ou que uma mulher agredida pelo marido tenha, aquando da sua morte, e assumindo que não existiu entretanto um divórcio, parte dos seus bens e direitos atribuídos ao cônjuge agressor? Que os filhos deste casal tenham que partilhar a herança com o agressor da sua mãe?
No fundo, precisamos de olhar para a especial relação que determina, por um lado, que sejamos herdeiros de determinada pessoa, e, por outro, a tipificação do crime como sendo de violência doméstica, e perceber se a prática deste crime não implica a quebra desse vínculo, nomeadamente para efeitos sucessórios, determinando, consequentemente, a incapacidade por indignidade.